sexta-feira, 26 de abril de 2013
Os coqueiros e os cocos de Goa
Há muitos coqueiros em Goa. E, onde há coqueiros, normalmente, há também cocos. E, em Goa, há também muitos cocos. Estes apresentam 3 fases de maturação.
Na primeira, encontram-se na árvore, altivos, nas alturas, inalcançáveis para o comum dos turistas e possivelmente também para o comum dos habitantes locais. Para exemplificar esta fase, é oferecida ao leitor uma foto da praia de Palolém, situada no sul de Goa, na qual os coqueiros se inclinam de forma plástica e harmoniosa para o areal, como que querendo aproximar-se dos visitantes.
Na segunda fase, os cocos caem no chão. Isto pode acontecer num areal, como o de Candolim, tal como ilustrado na foto exemplificativa. Mas, pode também acontecer em ruas mais distantes das praias ou no meio do campo. Como se sugeriu anteriormente, os coqueiros estão por todo o lado. Esta fase inclui a possibilidade de se adquirirem os cocos inteiros, para se beber a sua água, de coco, naturalmente. Os hábeis vendedores de água de coco agarram numa catana e com 3 ou 4 golpes precisos destapam o precioso líquido, destinado a ser sorvido com uma palhinha.
Na terceira e última fase, o coco é transformado em xacuti, um famoso prato goês. Este pode ser preparado com frango, cabrito, peixe, vaca, camarão ou qualquer outra carne que a imaginação goesa traga para a mesa. O exemplo acima retrata um portentoso xacuti de peixe, consumido no restaurante "Viva Goa", em Candolim. Como mandam as regras, tinha muito coco e estava incrivelmente picante. Muito bom. Toda gente deve experimentar um xacuti, se se deparar com essa oportunidade. Viva Goa.
Local:
Candolim, Goa, India
terça-feira, 16 de abril de 2013
No coração de Margão
Margão é uma cidade. É uma cidade de Goa, a segunda maior cidade do território, logo a seguir a Vasco da Gama e à frente de Pangim (Nova Goa), a capital. É também o nome de uma ancestral marca de especiarias, vendidas em Portugal, cujo nome não foi escolhido ao acaso, mas naturalmente para homenagear a cidade goesa, onde no novo mercado, e não só, se vendem especiarias ao peso, assim como malaguetas fritas, chamuças e incensos. Ao lado deste novo mercado, que fica ainda algo distante do antigo, existe o formoso edifício da câmara municipal, de frondosas arcadas e ditosas sombras. O jardim municipal, pejado de estátuas homenageando goeses insignes, separa-o dos portentosos correios, formando uma grande praça central.
Situa-se na região de Salcete e tem, não muito longe de si, a oeste, a bonita praia de Benaulim. Nesta praia, há pescadores, seus barcos de azuis fortes, suas pescarias enredadas à espera de serem desemaranhadas e vindalho de boa cepa. Mas isso é, digamos que, outra história. Não nos desviemos e voltemos a Margão.
Margão é quente. E aqui o quente refere-se à temperatura do ar, às cores das casas e ao fervilhante trânsito. Muitas das casas, quer no centro, quer nas suas proximidades, ostentam uma marcada arquitetura portuguesa, que se manifesta nos traços das janelas e nos telhados, para além de outros elementos. As cores utilizadas, viajando pelos vermelhos, verdes e amarelos intensos, tornam-na indo-portuguesa, saborosa e miscigenada, como os pratos goeses. Conduzir pelas ruas dos antigos bairros de Margão é mergulhar numa aventura cromática viva e muito plástica, em que as fachadas indo-portuguesas variadas se vão sucedendo, com laivos de branco por entre as demais tintas, ao mesmo tempo que é necessário ultrapassar desconcertantemente motas e outros obstáculos, em perigo latente constante, antes de aparecer um cruzamento que obriga o condutor português, pouco habituado a carros indianos, a hesitar quanto a qual dos manípulos escolher, o direito ou o esquerdo, para ligar o indicador de mudança de direção, vulgarmente designado como pisca, bastante menos útil na Índia que em outros lugares. A opção correta seria o direito, precisamente ao contrário dos carros portugueses, só para facilitar. Virando à esquerda e circulando pela esquerda, aparece uma antiga casa do governo, pujante, amarela, transformada hoje noutra coisa qualquer, acompanhada por um casarão verde, do outro lado da estrada. Mais adiante, uma rotunda. É necessário buzinar, antes de entrar, várias vezes, vigorosamente, para mostrar com clareza a intenção de ganhar prioridade e de prosseguir caminho. Milagrosamente, o universo converge e os restantes utentes da via adaptam-se, parando ou contornando o veículo em marcha, sem nunca o macular com qualquer colisão, em Margão.
Local:
Margão, Goa, India
domingo, 14 de abril de 2013
Os corvos de Goa
Quando alguém que nunca tenha visitado Goa pensa em criaturas que lá vai poder encontrar, pensa normalmente em vacas e elefantes. Não pensa propriamente em corvos. Mas, como tantas vezes acontece quando se imagina um acontecimento futuro, mais precisamente quando se imagina como vai ser um sítio nunca dantes visitado, a realidade traz sempre consigo memoráveis surpresas. Goa está cheia de corvos. Não são exatamente iguais aos de Portugal. Têm uma penugem cinzenta, que se estende do pescoço até ao dorso, e gostam muito de estar na praia. Alguns deles estão tão habituados à presença humana que não têm medo de pousar perto das mesas dos bares e restaurantes, como se estivessem a solicitar comida. Quem já os conhece, atende a esse pedido e lança-lhes pedaços de matéria comestível. Comem alguns no próprio local e outros levam-nos para longe, talvez para algum esconderijo onde os consumirão mais tarde. Fazem voos curtos, entre postes ou árvores adjacentes, quando alguém abusa e perfura a sua bolha social, para os fotografar, por exemplo. Mas o maior testemunho da sua presença constante é mesmo o seu canto, o seu crocitar. Estão sempre a crocitar, por alguma razão válida certamente.
E foi a ouvi-los crocitar que o cronista destas linhas acordou todos os dias que passou em Goa.
Local:
Goa, India
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